segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Entrevista de Padre Agostinho Pretto

Pe. Agostinho - Você já deve ter muitos dados. Você já esteve com o Carlos Lacerda, com o Salvador Marcelino... Com quem mais esteve?

Alexander – Estive também com o Flávio Brandão. Aqui, em Nova Iguaçu, basicamente estive com os três. De uma forma, foi o Carlos quem me apresentou ao Sr. Salvador. Iniciei o projeto de pesquisa vindo à Diocese. E aí, fui folheando, conhecendo um pouco o acervo. Dessa forma, pude conhecer um pouco mais sobre a figura de Dom Adriano Hypólito. O que me fez interessar, particularmente por Nova Iguaçu, e escolher esse tema como objeto de estudo. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre sua trajetória.

Pe. Agostinho: Um momento! Porque não é tão simples. É muita coisa que você quer saber ao mesmo tempo.

Alexander: Nós podemos ir pausadamente.

Pe. Agostinho: E isso é uma vida, uma história. Não são dez anos. São quarenta anos. Tem que caminhar um pouquinho de forma organizada, senão você cai num repetitivo muito inútil. Eu me chamo Agostinho. Sou gaúcho. Por circunstâncias especiais, por planejamento e por vontade superior, eu vim trabalhar no Rio de Janeiro. Por razões, também pessoais e por opção, busquei dedicar-me ao mundo dos trabalhadores. Para não entrar muito no começo da minha vida, depois de dez anos de padre, tendo já feito experiências locais em Porto Alegre e no Estado do Rio Grande, eu fui chamado para trabalhar no Rio. E trabalhar no Rio significou trabalhar no Brasil e vim para assessorar o movimento de juventude, que era a Juventude Operária Católica, a JOC. Você já ouviu falar?

Alexander - Sim, já ouvi falar.

Pe. Agostinho – Se você já ouviu falar em JOC, essa é a raiz de toda a minha vida. Dedicando-me à JOC acontece um incidente, acontece um desastre. Eu chamo o Golpe Militar de 1964 de desastre. O Golpe Militar foi dado especificamente contra a Ação Católica no Brasil: os setores estudantis, os setores independentes, os setores agrários, os setores operários, os setores universitários. Tanto assim que se costumava dizer: “contra o A, E, I, O, U”. A, contra a JAC; E contra JEC; I, contra a Juventude Independente; O, contra a Juventude Operária; e U, contra a Juventude Universitária. O golpe foi dado contra esses segmentos, que eram segmentos riqueza, base de toda a história militante do Brasil. E para entender a Pastoral Operária, para entender o seu nascimento, é preciso entender esse antes.

Com esse antes, com esse Golpe todos os departamentos, todos os segmentos desse setor de jovens foram lacrados. Os militares simplesmente decretaram perseguição a todos esses setores. Com isso, atingiram realmente o cerne da vitalidade nacional, que era a juventude. E o primeiro setor que buscaram silenciar foi esse „mundo de jovens, depois silenciaram outros departamentos. O Ato Institucional n° 5, o AI-5, em 1968, foi realmente o decreto do silêncio. A esse silêncio, seguiram-se outros silêncios. A Igreja instituição, nessa altura, mal informada, o Episcopado, seu „Corpo Grande, apoiou os militares. E seu apoio aos militares significou um decreto de morte contra esses setores jovens. A Igreja fechou os setores jovens e a isso seguiu o grande momento de silêncio. Isso foi em 1968, 1969, 1970.

Alexander - Interessante que esses fatos seguem-se a Medellín.

Pe. Agostinho – Tudo veio junto!

Alexander – Como o senhor analisa esse período, uma vez que a Igreja, como o senhor disse, apoiou „inconscientemente ou „conscientemente os militares. Não seria um „cala-boca ou impedir o avanço do que estava sendo colocado em Medellín?

Pe. Agostinho – Não só. Foi um atentado de morte contra os documentos do Vaticano II. O Vaticano II foi o grito de uma Igreja Renovada, uma Igreja nova, uma Igreja que se libertava de coisas obsoletas e velhices. Com esse golpe houve um silêncio longo. Eu chamo esse momento de antes. Agora, eu entraria no mérito do momento durante. O que aconteceu nesse momento durante? Segundo Dom Hélder Câmara, as minorias abraâmicas... Já ouviste falar nisso?

Alexander - Sim, mas não tenho muito...

Pe. Agostinho – É um pequeno grupo de bispos: Helder, Fragoso, Casaldáliga, Dom Luís Fernandes, Dom Paulo Evaristo...

Alexander - O bispo de Volta redonda...

Pe. Agostinho - Dom Valdir Calheiros e alguns bispos mais.

Alexander – Dom Adriano Hypólito se incluiria nesse grupo?

Pe. Agostinho – Também. Claro! Alguns leigos como Tristão de Athayde, leigos valorosos, alguns pastores metodistas e padres.

Alexander – Frei Betto.

Pe. Agostinho – Frei Betto é outro caso. Esse é o momento durante. Esses eram os homens. E alguns padres que eram assessores da Ação Católica. Eu era um desses. Nós vibramos com o Vaticano II, com Medellín, e fomos atingidos pelo AI-5. Nessa altura quem nos assessorava diretamente era Dom Cândido Padilha, um bispo dessa Igreja, da Praça Mauá.

Alexander – Beneditino.

Pe. Agostinho – Sim, Beneditino. Dom Cândido, hoje, se estiver vivo deve ter quase noventa anos. Mas, então, esses homens se tornaram referência de leigos, jovens que foram atingidos pelo Decreto, pelo silêncio, pela força da compulsão obrigatória; padres que estavam na resistência, leigos e bispos. Dom Helder Câmara foi ótimo! Ele foi um profeta. Como profeta ele apelou pelas minorias Abraâmicas. Ele volta e vai ao tempo de Abraão, depois ao tempo do povo de Abraão que resistiu à perseguição e escravidão dos faraós no Egito. Nesse tempo do durante, perseguido que era pelos militares, me refugiei num departamento dos Metodistas. Com os Metodistas, fui trabalhando na semi-clandestinidade. Eles me contrataram e aí eu pude fazer um grande trabalho com eles. Eu tinha acesso à Igreja Católica, porque já trabalhava em nível de Brasil. Eu tinha acesso a esses contatos, porque já tinha viajado o Brasil como assistente eclesiástico. Com a ajuda financeira dos metodistas, nós organizamos quatorze seminários. Alexander – Isso por volta dos anos 1970?

Pe. Agostinho – Por volta dos anos 1970, 69 em diante. Bom! Não importa o ano! A gente organizou seminários de estudos. Eu, nessa altura...

Alexander – É forte!

(Padre Agostinho, nesse momento ficou muito emocionado).

Pe. Agostinho – Eu, nessa altura, já tinha sido preso. Com tudo o que eu sabia, com a prisão, cela, com as masmorras, com as torturas, com as mortes que eu acompanhei, foi o tempo que eu chamo de durante, foi o tempo que para mim me deu a graça de poder amadurecer. Liberto da prisão, com um mínimo de proteção, porque eu já tinha sido preso, já tinha advogado de defesa, eu de forma semi-clandestina tive a condição de ir organizando seminários. Os seminários nada mais eram do que momentos para analisar a realidade. E a realidade era, verdadeiramente, uma realidade caótica. Viver sem liberdade. Se você quiser imaginar uma desgraça para o povo é um povo escravizado. Através dos seminários, legalmente organizados, e aparentemente inofensivos, andei o Brasil. Nesse andar o Brasil, ajudei a reascender de alguma forma a esperança. E o pessoal que participava dos seminários, eu os via realmente renascendo onde era possível abrir os olhos. Nesse tempo de seminários realizados, surgiu esse grupo que Dom Helder chamou de Minorias Abraâmicas, grupo composto por Dom Valdir Calheiros, Dom Luís Fernando e Dom José Maria Pires.

Alexander – Quem estava realmente presente?

Pe. Agostinho - Nesse momento mais concretamente eram esses três. Esses vieram falar comigo: “nós temos que partir para algo novo, pois não há condições de refazer a Ação Católica”. As siglas estavam queimadíssimas. “Vamos pensar em criar algo vinculado à Igreja, mas que não seja movimento”. A Ação Católica estava vinculada à Igreja, mas

desenvolvia ações como movimentos. “Vamos criar algo que não seja movimento, mas é pastoral. A pastoral é um vínculo, garante um vínculo estratégico com a Igreja”. E se foi criando a idéia de algo novo a ser feito. Tudo muito na escuridão, muito na sombra, do que poderia ser. Nesse respiro novo, organizei um encontro nacional de trabalhadores. Esse encontro, caminhando um pouco mais, aconteceu em 1975. Para você ver: 1968, 69, 70, 71, 72, 73,74 e 75. Todos foram os anos durante.

Alexander – Então, todos esses anos de 1969 a 1975 podemos classificar como durante. E ao longo desses períodos aconteciam esses seminários?

Pe. Agostinho - Isso. Visitas, encontros, especulações em torno de como sair dessa situação, como se libertar. Foi feito pesquisa. A gente andou o Brasil. Um grupo andou em São Paulo, outro andou no Norte e outro no Sul. Esses grupos foram andando, articulado, organizando... Trabalho de um ano para localizar onde estavam os que se esconderam. E também um ano de: “vamos bater à porta de tudo o que é bispo”. Isso foi durante. E desse trabalho todo, em 75 realizamos um encontro em Taboão da Serra, SP. Umas 150 pessoas vindas de todos os cantos do Brasil. Todos trabalhadores.

Alexander – Foi o Encontro Nacional dos Trabalhadores que ocorreu em 1975, em Taboão da Serra?

Pe Agostinho – Sim. É também o ano em que foi assassinado o...

Alexander – Vladmir Herzog?

Pe. Agostinho – Perfeito! Justamente durante o encontro. Justamente durante o encontro! Quem nos deu cobertura para realizar esse encontro foi Dom Paulo Evaristo Arns. Dom Evaristo abriu o encontro dizendo: “olha, vocês têm coragem!” E completou: “Eu vim apoiar vocês, porque vocês têm coragem. A situação está muito difícil. Muito grave. Agora, uma coisa eu digo a vocês. Enquanto vocês estiverem aqui ninguém vai meter a mão em vocês”.

Alexander – Perfeitamente!

Pe. Agostinho – E nós nos reunimos do lado de fora. Muito estratégico. Ninguém chegou ao local acompanhado. Cada um chegou individualmente e em silêncio. Tudo combinado antes. Ninguém deveria dizer nada. Se alguém fosse perguntado, diria, “eu vou rezar no colégio tal”. Mostre a Bíblia. “Eu vou rezar no colégio tal”. Isso aconteceu de uma forma muito silenciosa. Dom Evaristo abriu o encontro hoje e no dia seguinte Wladimir Herzog foi assassinado. Ali, terminado o encontro, decidimos criar sede no Estado do Rio de Janeiro.

Alexander – Nesse encontro surgiu a idéia de se criar a Pastoral Operária?

Pe. Agostinho – Não! Nada! Decidimos criar no Rio uma Sede de Coordenação. Não tem nome nenhum ainda. Quando chegamos ao Rio, eu fui encarregado de ir a Dom Eugênio Sales para dizer: “Dom Eugênio, aconteceu, em São Paulo, um encontro tal, e decidimos manter uma coordenação a partir daqui.” Dom Eugênio disse: “não faça isso!”. E não aceitou. Dom Eugênio disse: “Não me levem a mal, mas eu não quero. Não quero que se coordene esse movimento a partir daqui”.

Alexander - Isso aconteceu em sua visão, por quê?

Pe. Agostinho – Porque Dom Eugênio é conservador e estava de acordo com os militares. Dom Eugênio via nos militares aqueles que poderiam retirar o comunismo do Brasil, das crianças que eram comidas por comunistas... Dom Eugênio era uma vítima como tantos outros, sem falar de outros, como aqueles que vieram a fechar a Ação Católica como o Cardeal de Porto Alegre.

Alexander – Como Trujillo, que foi do CELAM, líder da Conferência Episcopal.

Pe. Agostinho – O Cardeal da Bahia, Dom Avelar, também andou por lá. Bom. Dom Avelar era um dos que nos apoiava na Bahia. Esse fato foi o que me trouxe para Nova Iguaçu. Eu já tinha vindo à Nova Iguaçu, em 1974. Mas, definitivamente trabalhar aqui, abandonar o Rio foi a partir daí. E, aqui, é que encontrei Dom Adriano. Eu comecei a conhecer Dom Adriano a partir de 1974, 75. As datas, para mim, são muito relativas. Quando referi a situação a Dom Adriano, ele disse: “que bom! Quanto tempo eu esperava que alguém viesse aqui, nessa Baixada, trabalhar com os trabalhadores.” Aqui é uma realidade de migrantes. Migrantes vindos da Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Minas, Espírito Santo. Aqui é a grande cidade nordestina, a grande cidade daqueles que vieram de fora. Era uma outra Baixada. Hoje, não tem nem comparação. A Baixada era verdadeiramente algo desprezível, algo ignorável, algo de gente sofrida, gente desesperada que vinha aqui a procura de pão.

Alexander – Era um local com baixa infra-estrutura, muita pobreza?

Pe. Agostinho – O mundo de quem vendeu a sua terrinha, de quem trouxe seus cruzeiros, cruzados e veio construir um barraco aqui. Você vê ainda hoje, todas as casas estão sem reboco, casas feitas na base do grito, na base dos fins de semana, com mão-de-obra barata, na base do mutirão. Esse é o embasamento desse povo. Iniciei-me aqui porque conhecia a vida, conhecia a história, conhecia a luta, a maneira de trabalhar. E comecei o trabalho aqui de forma oficial porque Dom Adriano me recebeu e extra-oficial, porque eu não era dessa diocese. Eu circulava aqui porque tinha o apoio do bispo e fui muito bem recebido pelos padres.

Alexander – O senhor poderia falar um pouco de sua ligação com Dom Adriano. O senhor estava falando da realidade de Nova Iguaçu, da sua recepção por Dom Adriano.

Pe. Agostinho – Bom! Para não misturarmos as coisas. Isso tudo ainda é durante. Durante todo esse período, estávamos procurando rumos. Eu estava procurando rumos. Mas, já apareciam luzes. Vamos criar uma pastoral ligada aos bispos e, em 1975, nasce a Comissão Pastoral da Terra. Mas há uma gestação. Ela não nasce de repente. Em 1972 foi o grupo da Bahia desenvolvendo trabalho de pesquisa. Em 1974 foi o ano da síntese e em 1975 começou a dar corpo ao trabalho. Em 1976, nasce, aqui em Nova Iguaçu, a Comissão Pastoral da Terra. “Então, o senhor é o criador da PO”. Não, eu sou um deles! Um dos que trabalhou longamente por muito tempo. Para chegar a isso tivemos trabalhos sérios em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, na Rua Benjamin Constant quando criamos o CEDAC (Centro de Ação Comunitária), que completou agora 30 anos. Praticamente todo esse tempo. Leva de 30 a 35 anos do nascimento desse movimento. Vamos chamar a isso tudo de Comissão Pastoral Operária. Uma comissão. Eu fui o primeiro presidente, a primeira diretoria, fiz a primeira ata, dei o primeiro encaminhamento, fui o primeiro responsável, o primeiro articulador. Daí vieram o Salvador, o Dico.

Alexander – O senhor Salvador ficou de me apresentar o Dico.

Pe. Agostinho – Mas dentro disso, vieram as turbulências. Quais turbulências? Vamos trabalhar para reformar os sindicatos. Os sindicatos são verticais, vamos criá-los horizontais. É uma guerra, uma luta, um combate. Isso dava muita unidade, porque havia um inimigo em comum. Esse foi o tempo oportuno, belo. E o inimigo comum era a Ditadura Militar. Esse era o inimigo comum. E esse inimigo comum nessa gestação nos criou muita dificuldade. Ele nos perseguia, acompanhava, vigiava. Tomava nota das placas de nossos carros, soltava os cachorros nas nossas caras, pichava as paredes de nossas casas. Sequestrou e torturou.

Alexander – Dom Adriano!

Pe. Agostinho – Quando nasceu a Pastoral Operária, eles perceberam que em Nova Iguaçu estava o foco da grande resistência.

Alexander – Nova Iguaçu pode ser vista como um celeiro?

Pe. Agostinho – Aqui foi o local da resistência. Daí, o que aconteceu na luta sindical? Aconteceu o ENTOES. O ENTOES não caiu do céu. Ele é fruto de um trabalho nacional. O ENTOES é...

Alexander – Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical.

Pe. Agostinho – São sujeitos vindos de todos os cantos que ficaram sediados aqui.

Alexander - Eram religiosos?

Pe. Agostinho - Praticamente não havia religiosos. Eram trabalhadores. Tira fora a conotação religiosa. A Igreja estava aí. A Igreja era a porta de entrada. Se você quiser, ela era a anfitriã que recebia sem cobrar. Não alugava, mas abria as portas. Esse foi o grande gesto profético de Dom Adriano. Esse é o rosto desse bispo, o homem, sergipano, sem medo, pobre, franciscano, teólogo, inteligente, escritor, músico. Esse é o homem que Deus nos deu na guerra da tragédia imposta pelos militares. Criado o nome, oficializado o nome, as coisas surgem como pipoca. Pipocou a Pastoral Operária em todo o canto do Brasil, primeiro no Rio, posteriormente em São Paulo, e assim surge a PO no Brasil.

Alexander – Mas havia uma linha comum?

Pe. Agostinho - A linha comum era a busca da liberdade, a busca comum era a derrubada da Ditadura, salvar o mundo dos trabalhadores, torná-los sujeitos, sujeitos de sua historia, não marionetes, nem ajudantes de missa, mas sujeitos com rosto. E aí aconteceu o assassinado de Santo Dias.

Alexander. Em 1979.

Pe. Agostinho - Na efervescência. Ele é o marco do “Novo Sindicalismo”. Em 1979 acontece a explosão da bomba na Catedral Sto. Antônio, Diocese de Nova Iguaçu...

Alexander – Ocorrem as pichações...

Pe. Agostinho – Tudo está dentro de uma ordem lógica. As coisas não acontecem de forma solta. Os militares agiram na lógica, foram atarraxando até onde puderam. Era uma luta global amadurecendo. Veio a bomba e, logo depois, a tragédia do atentado do Rio Centro.

Alexander - na noite do dia 30 de abril de 1981.

Pe. Agostinho - Os militares resistiram enquanto puderam, quando viram que o Brasil escapava das mãos, o Presidente Geisel já manifestava que era preciso abrir. Depois, veio o presidente Figueiredo. Isso era o momento durante. Agora vem o momento pós. Digamos que hoje a PO trabalha livremente no Brasil. Ela tem suas publicações, seu plano básico, seu projeto, seus dirigentes, sua sede em São Paulo. Durante muitos anos sua sede foi aqui na Diocese de Duque de Caxias. Hoje, ela é uma realidade que se resume ao Grito dos Excluídos, que desde 1995 acontece anualmente no dia 7 de Setembro, em Aparecida do Norte/SP, quando é comemorada a Independência do Brasil. A PO é uma das grandes patrocinadoras desse dia do Grito. De 1980 a 1990 são os anos das „vacas gordas. Nasce o Partido dos Trabalhadores (PT).

Alexander – Gostaria que o senhor falasse um pouco dessa relação entre a ação da Pastoral Operária e a formação do PT.

Pe. Agostinho - A Pastoral Operária sempre foi uma pastoral social, profundamente social com vínculo na dimensão da fé, com a dimensão da Igreja. Pastoral quer dizer isso: tear de pastores. Sempre teve esse vinculo com a Igreja, mas sempre foi uma prática social abrangendo o mundo da família, dos sindicatos, das Associações de Moradores... Sobre a Associação de Moradores teríamos muito para conversar... Então, nasce o PT. Com o PT, a PO se fragmenta, ela perde sua referência fundamental, ela toma uma referência política partidária. E para esse nascimento do PT, a PO foi uma das forças constituidora. Ela fez campanha de assinaturas, campanha para chegar a 700 e 800 mil assinaturas. Era preciso de um milhão. Nasceu o PT e com ele veio todo um processo em que muita gente nossa partia para ser vereador. O próprio Salvador Marcelino foi candidato. Muitas lideranças nossas partiram para a política partidária. Isso teve influência na militância cotidiana da PO? Teve. Claro! A PO não perdeu sua característica. Não! Mas ela perdeu sua vitalidade, ela teve uma baixa, que é natural.

Alexander – O senhor atribui essa relação entre a Pastoral Operária e o PT, e não a outro partido, em razão de quê?

Pe. Agostinho - Não tinha outra razão. Se você queria ser coerente... Com o nascimento, a Pastoral Operária se ramificou pelo Brasil e as conotações políticas partidárias por mais que estivessem ligadas a um partido, nesse caso o PT, eram variadas. O sujeito do PT gaúcho tem uma posição diferente do sujeito do PT pernambucano. O partido ramificou muito. Diferentes tonalidades. Com isso o pessoal foi se definindo, esse é o processo. Lula teve muita influência no nascimento da PO, muita influência na ação sindical. Não é que a Pastoral Operária renovou o sindicato. A PO entrava nas portas que se abriam. Ela endossa o “Anel de Tucum”, símbolo criado durante a ditadura quando proibido falar. O Anel de Tucum tornou-se um símbolo da resistência, do compromisso com a luta popular. Muitas pessoas no Brasil, na América e na Europa, usam esse símbolo. Tucum é uma palmeira espinhosa da Amazônia que produz um coquinho com o qual os índios fazem aníes e outros adornos. Tem um filme sobre isso. Seria bom que você assistisse a esse filme.

Alexander – Qual é o nome do filme?

Pe. Agostinho – “Anel de Tucum”. Quando você assistir a esse filme compreenderá a marcha da resistência. A resistência criou as Romarias da Terra, as Romarias do Mundo dos Trabalhadores. A Igreja mudou. Assim a coisa se ampliou. Eu queria ir afunilando as coisas para lhe dizer o seguinte: Os anos de 1980 e 1990 foram anos da proliferação. Nasceu tudo. Nesses dez anos nascem associações de moradores, o Clube de Mães. Um mundo novo nasceu. O Brasil criou um novo rosto. Foi uma euforia! O Brasil se libertou. Os refugiados voltaram para sua terra, aconteceu a anistia. Nasceu o CEDAC. Nasceu muita coisa boa. Alex. Qual é o nome dessa organização?

Pe. Agostinho – CEDAC (Centro de Ação Comunitária). Nessa proliferação se ramificam as tendências. O famoso MDB e a famosa Arena se converteram em partidos. Nasceram os Ulisses Guimarães, surgiram os Sarneys. Nasceu o Brasil que está aí hoje, que ainda sofre as consequências da Ditadura. Que ainda hoje sofre as consequências dessa página caótica e vergonhosa dos anos de chumbo. Tudo o que você queria perguntar sobre a PO, ela se tornou uma prática de base que constrói e resiste, que cultiva as resistências de base, que luta para manter o mundo popular de pé, que tenta reanimá-lo das frustrações, que tenta manter os horizontes de esperança e que realiza, para mim, um trabalho histórico. De 1990 para cá são quase 18 anos. A Igreja também se reformulou, surgiram novos papas. Surgiu João Paulo II e agora chegou Bento XVI, que a gente não sabe muito qual é a dele. E o Brasil dança na vergonha das corrupções. Isso é um pouco o histórico da PO. Ela se associou e está em conotação com outras siglas, como a Caritas. Não trabalha isolada. A fase do crescimento foi 1980 a 1990. A fase do recuo, da perda do profetismo vem dos anos 1990 para cá.

Alexander – Sobre essas duas fases, eu gostaria de retomá-las, porque eu vejo questões de cunho político e ideológico profundos. Nessa fase que vai dos anos de 1980 a 1990, há a explosão de várias associações sindicais, movimentos de bairro e os próprios partidos. Um tempo de muitas reivindicações. E obviamente, vemos uma Igreja muito mais envolvida com as questões políticas. A que o senhor atribuiria essa efervescência de uma Igreja progressista que vai contra a ação da Igreja Conservadora? Como o senhor enxerga essas questões? Por que eu coloco essas questões? Porque entre os anos de 1984 e 1985 o Vaticano promulga duas instruções. A instrução de 1984 foi basicamente uma ação onde o Vaticano condenava veementemente a Teologia da Libertação. Na instrução de 1985, o discurso foi um pouco menos radical, mas ainda assim vemos certa retaliação. Como o senhor vê tudo isso? De um lado, a Igreja conservadora freando a ação da Teologia da Libertação, mas ao mesmo tempo há uma ação efervescente da própria Igreja e de determinadas pastorais lutando pela redemocratização, lutando pelas questões dos Direitos Humanos, pelos direitos do trabalhador. Como o senhor analisa esse embate?

Pe. Agostinho – Essa é uma questão muito profunda! A Teologia da Libertação é uma decorrência de todo processo de saída da Ditadura Militar. Você sai da ditadura! O que acontece quando você sai de uma Ditadura? Você veste roupa nova. A Teologia da Libertação foi uma roupa nova que apareceu. Depois que você viveu os esculachos da Ditadura, da cadeia, do silêncio imposto, dos atos institucionais, vem a anistia e a Igreja surge com roupa nova. Então, mas..., você é católico?

Alexander - Nasci em berço católico. Hoje não sou mais atuante, não pratico, mas a minha formação é católica.

Pe. Agostinho - Essa colocação que você faz é toda outra história. João XXIII decretou o Vaticano II e Paulo VI completou-o. João Paulo I morreu aos 33 dias de pontifício, em 1978. E surgiu João Paulo II. Um papa polonês, que viveu a ditadura na Polônia, que viveu as prisões da Polônia. Que acompanhou os cardeais presos na Polônia, que trouxe todas essas marcas para dentro da Igreja Católica e esta perdeu sua liberdade de ação. Era um teatrólogo. Um homem que falava todas as línguas, que viajou o mundo, apresentou o rosto da Igreja no mundo e forçou a Igreja a vestir sua roupa velha. Ele fez o trabalho do rosto externo e, ao mesmo tempo, ordenou: “voltem para as Igrejas!” Caçou teólogos como Leonardo Boff e muitos outros. Empobreceu a Igreja dentro. Nessa transição, quando falo do momento dentro, no mundo mais cem mil padres deixaram o ministério. Aqui no Brasil, mais de 5 mil. Suprimiu a Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais de Base. Colocou a Igreja interna no silêncio. De certa forma ainda hoje. Porém, de Medelín foram para Puebla, 1979, de Puebla foram para Santo Domingos, depois para Aparecida. Quando a Igreja se deu conta de que ela empobreceu por dentro, ela faz esse documento de Aparecida.1 Segundo os estudiosos, será preciso mais de cem anos para colocá-lo na prática.

Alexander – Por quê?

Pe. Agostinho – Porque ela quer devolver à Igreja o tempo de Medellín, quer devolver à Igreja o tempo do Concílio Vaticano II.

Alexander - Essa Conferência de Aparecida, esse documento, é como se a Igreja, ao longo do papado de João Paulo II, estivesse reconhecendo seu erro histórico.

Pe. Agostinho - Não sei se ela reconhece erros históricos, não. Reconhece a sua situação interna. Porque é difícil para a Igreja reconhecer erros. Ela nunca reconhece erros. Para reconhecer o erro Galileu Galilei, somente agora. Ela é lenta para reconhecer erros. Ela mudou de roupagem. Agora está propondo uma roupa nova. A paróquia está superada. O jeito dos padres trabalharem está superado. Mas o que colocar no ligar? Aqui está o documento elaborado em Aparecida, mas mudar o que está torto é muito difícil. A explosão da juventude que aconteceu nas décadas de 1980 a 1990, virou hoje a fuga da juventude. A juventude não quer saber de Igreja. Ela quer saber de oba-oba. Você já viu o que é a explosão dos gays hoje? Um ou dois milhões de gays? De outro lado você também vê o padre Marcelo Rossi, em São Paulo. Ele reúne um milhão de pessoas. Qual é o conteúdo do Marcelo? O conteúdo do Marcelo é oba-oba, ele não fala numa reforma política, da corrupção de Brasília. Os carismáticos de hoje não entram na questão política. Por outro lado, a Pastoral Operária só trabalha nisso.

Alexander – Eu gostaria de retomar a pergunta anterior. Nas décadas de 1980 e 1990 vemos um movimento de luta, reivindicação. Tínhamos ali um Leviatã, que era a ditadura que ainda estava em voga. Ao mesmo tempo em que tínhamos um monstro a combater, uma Igreja ultraconservadora. É esse ponto que eu gostaria de retomar. Essas ambiguidades. A Igreja conservadora vai respaldar o regime militar. Temos que ter cuidado em falar nisso, porque parece que ao pensar dessa forma, eu tenho até preocupação em dizer isso, a gente quer dizer que ela é leviana, o que não é! Temos que ponderar isso, mas, de fato, parece que ela dá as mãos ao regime militar. Porém, ao mesmo tempo, temos uma Igreja Progressista que vai contra o regime, fortalecendo as suas bases, vemos as greves. Temos a participação de muitos leigos engajados, bispos e padres lutando pela redemocratização e lutando em prol dos trabalhadores. Gostaria que o senhor retomasse esse ponto.
1 Agostinho Pretto refere-se ao Documento Final elaborado pela V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, 13-31 de maio de 2007, Aparecida, Brasil.


Pe. Agostinho - Querido! Vamos tomar como referência a família. Na família você tem um casal de 80 anos, o avô e a avó. Para alguns, já é bisavó e bisavô. Você desce vinte anos e encontra um casal casado há 50 anos. Esse casal de 50 anos o que ele diz aos seus pais? Papai e mamãe, a coisa mudou! Já é outro tempo. Esse casal de 50 anos desce e tem um casal, aqui embaixo, que casou agora. Os dois têm 22 anos. Esse casal de 22 anos diz para os avôs: “coitados dos avós!” Diz para os pais: “vocês não entendem isso, são de outra época!” “Quando você vai me dar um neto?”, pergunta o pai. “Pai, espera aí.” Esse casal novo, três anos depois se separa. Vai comparando. Isso é a Igreja. Ela perdeu a sua origem. Não! Continua sendo Igreja. Perdeu a origem de família. Não! Continua família. Ela mudou de sangue, não! Continua o mesmo sangue. Ela mudou de cabeça! A sociedade mudou de cabeça. Eu não tenho computador. Esquisito, não! Eu não o quis. Eu escrevo à máquina. Meu escrito é diferente? Não. Já faz dois anos que estão escrevendo a minha história. O que aconteceu? O mundo mudou! Os meios de comunicação me deixaram de calça curta. Hoje, na pós-modernidade, você está solto. A Igreja mudou? Ela perdeu sua raiz, sua origem, seu sangue? Não! Ela perdeu sua vitalidade. Então você vê. Os avós são conservadores? São por demais conservadores. O casal de 50 anos são conservadores? São fieis à sua época. Construíram suas casas. A casa onde esse casal jovem está morando, foram eles (os pais) que construíram. E construíram uma boa casa. Os dois são herdeiros. Eles dão muita importância a essa herança? Não! Sabe o que dizem os jovens daqui? “papai o que o senhor ganha num mês eu ganho num dia!” Se você soubesse o que acontece nos bastidores das drogas... Se você soubesse o que vai aos bastidores dos assaltos e dos roubos. Essa área aqui é um lugar de roubo. Então o que você vai dizer? Como você vai confrontar? Da mesma forma, você vai contra a Igreja conservadora? Não. Você vai respeitar. Senão você se torna um mercenário, um aproveitador. Você está dentro de uma raiz. Hoje os católicos se autodestroem, eles não se valorizam, perdem a auto-estima. Querem missas diferentes, casamentos diferentes, batizados diferentes, festas, shows. Você é contra? Não! Não sou contra. Numa missa gastam, sem exagero, três mil reais em flores. Eu cobro, aqui, 100 reais com caução. Você deposita 100 reis. Se você chegar tarde, depois de uma hora, você perde. Não tem ninguém que vem buscar os 100 reais, pois chegam duas horas depois. Eu não faço casamento! Eu tenho as pessoas que fazem. Hoje a Igreja abriu, nomeando leigos para fazer casamento. Eu não tenho mais resistência para ficar uma hora e meia, com uma noiva que, da porta da Igreja ao altar, leva 15 minutos. Um passo a frente e dois atrás. Com isso, eu não sei se respondo à sua pergunta. A Igreja é conservadora. Ela não é inimiga entre si. Ela é conservadora. Quem deu esse tom? O papa deu esse tom. Hoje, eu defendo que a Igreja tem que mudar. Ela não muda por decreto. Ela tem que mudar por processo. Só a ação é que muda. Só a ação consegue mudar.

Alexander – Pode-se dizer que a Igreja Conservadora contribuiu para a desmobilização dos leigos, sobretudo no período pós-década de 1990 onde se vê que houve uma
desmobilização que reflete nos movimentos de base e até mesmo em movimentos como a Pastoral Operária?

Pe. Agostinho – Manter-se vivo dentro de uma igreja militante é um heroísmo, porque a instituição é instituição. Agora ela quer mudar... Essa questão que você faz, onde busca confrontar a Igreja da frente e a Igreja de trás, não dá. A Igreja está em justaposição. Nas reuniões discutimos muito isso! Hoje, eu diria que estamos numa época de deserto, mas a Igreja continua sendo uma realidade, ela continua sendo uma voz no mundo. Ela zela, ela é contra o abordo, ela tem posição.

Alexander - Estamos num momento onde as questões trabalhistas precisam de reformas, o movimento operário, basicamente, encontra-se sem luz. Os sindicatos...

Pe. Agostinho - Os sindicatos amarelaram.

Alexander - Há uma penúria por parte dos trabalhadores. Estes se encontram sem voz.
Pe. Agostinho - Sindicato é dinheiro!

Alexander – Percebe-se que diferentemente, ainda no período da Ditadura, entre as décadas de 1980 e 1990 havia grande mobilização. Mesmo a Igreja Progressista sendo contestada por conservadores, o trabalho continuou, mas após a década de 1990 houve um arrefecimento na marcha. A que o senhor atribuiria esse revés, esse arrefecimento? A desmobilização das CEBs? Seria a ação da Igreja Conservadora interferindo na ação da Igreja Progressista, que se colocava como a voz dos trabalhadores?

Pe. Agostinho - A Igreja é uma instituição. Ela depende muito de quem está na cabeça. A Igreja tem um Estado. Quem conduz a Igreja é o Estado do Vaticano. O Papa que está lá é conservador e não pode ser diferente! Ela tem os seguimentos na cabeça. Você não pode analisar a Igreja apenas pela sua dimensão humana. Sua questão é muito difícil de resolver, pois a Igreja é uma instituição divina e humana. Por isso lhe perguntei se você era católico! A Igreja tem uma história. Ela tem dois mil anos. Por que a Igreja em dois mil anos ninguém conseguiu fechá-la. Napoleão caiu. Os maiores ditadores caíram. Os “Robespierres” da vida caíram. Ninguém fala nisso. Todo mundo caiu e a Igreja não caiu. Porque ela é uma instituição de dimensão divina e aí vem a dimensão da fé. Eu não concordo com muita coisa, mas eu respeito.
Eu pensei que o exemplo da família respondesse suas questões, mas não respondeu não. Porque você insiste na mesma questão. A instituição depende muito de sua cabeça. Hoje quem está na cabeça é Bento XVI. Ele é conservador. João Paulo II cortou toda a vida do clero. Os padres estavam reivindicando casamento e poderem continuar padres. Padre casado não pode dar aula no seminário, porque a Igreja é uma instituição que zela pela sua sala, cozinha, fogão e guarda-roupa. Eu não posso usar qualquer roupa na Igreja, na missa. Quando o atual papa foi eleito havia uma torcida muito grande que fosse outro, chamado Martini. Mas ele não aceitou porque seria uma carga muito grande. Eu lhe diria Alexander, a Igreja conservadora não tem uma prática conservadora em todo lugar. Eu não quero saber de conservadorismo. Quem manda na Igreja onde moro são os leigos. Eu não mexo em dinheiro, eu não decido maiores coisas, não! Mas então o que você pergunta, para mim, nessa entrevista pode perguntar a ele. Eu trabalho com dimensão operária. Não quer dizer que eu seja conservador na prática. Eu estou numa camisa de força. Mas sou livre. Não quer dizer que minha prática seja conservadora. A instituição tem hoje uma prática conservadora. Tem quatro diferentes centrais sindicais. Cada uma tem uma conotação diferente. E elas se diferenciam em quê? Cada uma tem uma conotação diferente. E elas se diferenciam em quê? Você pode dizer que essa é mais conservadora que a outra. Assim também é dentro da Igreja. Essa paróquia é menos conservadora que a outra, porque depende do padre. Com isso você tem condições de analisar o processo. A nossa esperança é que venha um papa diferente. E virá! É irreversível. Porque senão a Igreja vai se esvaziar. Quando viram que ela estava esvaziando-se criaram o documento redigido em Aparecida.

Alexander - O senhor acredita que esse documento chegou tarde demais?

Pe. Agostinho - Eu acho. Acho que sim! Chegou muito tarde. Tanto assim que você tem que procurar as pessoas, os padres, que trabalham em cima desse documento. Tem padre que não está nem ligando para a situação. Agora você esta fazendo uma tese difícil.

Alexander - Gostaria que o senhor falasse da atuação da Pastoral Operária nas greves. Quando surge a Pastoral Operária, no ano de 1976, sua participação nas greves de 1978 e de 1979.

Pe. Agostinho – A Pastoral Operária estava dentro, em cheio. Lula disse: “quem me converteu foi a Igreja.” Ele não acreditava nisso não. Ele não acreditava na Pastoral Operária. Lá ele conheceu o que era pastoral. Nesse período entrou frei Betto, quando a PO já estava andando. Hoje a Pastoral Operária atua no sindicato. Hoje ela critica o sindicato. Hoje o sindicato está num conservadorismo escandaloso. Daí vem a grande critica feita a Lula.

Alexander - Tem sido comum esse pensamento onde se observa que partidos que se diziam de esquerda modificaram sua postura ideológica, terem se vendido. Vejo isso, também, em diversos movimentos de bairros, partidos, sindicatos.

Pe. Agostinho - O que ainda resistem são as pastorais sociais.

Alexander – Como se fosse uma voz que ecoa no deserto?

Pe. Agostinho – Ela é uma voz que ecoa nos bastidores. Ela perturba. Não é muito no deserto, não. Ela perturba porque ela fala no „Grito dos Excluídos”. Tem muita gente querendo esvaziar o Grito. Tem padres e bispos que querem esvaziar o Grito.

Alexander – O senhor atribui a esse documento de Aparecida, em 2007, uma forma de evitar o silêncio, de esvaziar o Grito?

Pe. Agostinho - Esse documento foi trabalhado no acampamento de trabalhadores em Aparecida. O povo acampado pedia, “pelo amor de Deus, não façam um documento conservador!” Se você ler verá como ele é muito avançado.

Alexander - Seria um resgate de Puebla?

Pe. Agostinho - Mais de Medellín, mais do Vaticano II, do que de Puebla. O Concílio Vaticano II é muito citado.

Alexander – Gostaria de retomar duas questões. Podemos dizer que a Igreja nesse período de efervescência contribuiu para que houvesse maior conscientização dos leigos e a partir de que momento o senhor percebe que essa conscientização passando pela via religiosa se desdobra em consciência e ações políticas concretas?

Pe. Agostinho – Não se separa! Não dá para separar, porque as coisas caminham juntas. Você não tem dois departamentos no seu corpo. Você só tem um. Ou você é conservador no todo ou você é progressista. A tua ação é política. A tua ação é em função do bem comum. A tua ação é um comportamento de engajamento social. Não se separa. Então a época da efervescência foi uma época de multiplicação de militantes. Por isso eu disse que pipocava! Porque a mística, a motivação para ser feliz está em ser um homem sujeito. Um homem é sujeito quando faz história. Hoje você está escrevendo a historia que outros fizeram historia. Você está escrevendo e para escrevê-la algo lhe motivou. Você não faz uma tese sobre a Igreja conservadora. Há muitos que fazem teses sobre isso! Fazem teses sobre temas esquisitos. Você escolheu o tema conflituoso porque toda mudança vem do conflito. Não há mudança sem conflito. Isso é da própria natureza. Você rompe e a gente rompe. Temos duzentos, trezentos sujeitos no Brasil, que estão em mandato político. Há padres que são deputados, padres que são vereadores, padres e freiras que são prefeitos. Mas a Igreja não quer. Você percebe onde está o conflito? É duro, hein!

Alexander – Mas é a partir daí que surgirão mudanças.

Pe. Agostinho - Não só. Surgem. Por isso digo, não tem como segurar. Hoje a Igreja no Brasil, você pode dizer tranquilamente, tem mais de cem mil grupos de base. Só nossa Diocese tem cerca de 500 grupos, chamados conselhos de comunidades. 400, depois têm outras ramificações, círculos bíblicos. Meu avô tem que mudar! Meu pai tem mudar! Ou você muda na ordem ou na desordem! Na desordem, você manda tudo pelo diabo; e, na ordem, você faz história. É uma dialética. Você dirige automóvel?

Alexander – Sim.

Pe. Agostinho - Você tem uma direção. Mas digamos que você não seja muito hábil nem muito profissional. Dialética é algo complicado! Agora quando você tem uma posição formada e definida, a retaliação vem. Muitos foram e continuam sendo assassinados, no Brasil, na luta pela terra.

Alexander - Isso mostra que a luta continua?

Pe. Agostinho – Há pouco mataram em Manaus a Irmã Dorothy Stein. Fez a história da resistência. Fez a igreja que você quer descrever, com o conservadorismo do lugar. Há muitos na Igreja que diziam a Dorothy para deixar disso, há muitos que dizem para o padre Geraldo Lima, que trabalha em nossa diocese com a questão da terra e de ocupações, “deixa disso”. Isso se chama profissão profética. Você deve dar um pouco essa conotação. Sua tese tem que ser uma tese de esperança. Vai mudar!

Alexander - A temática pela qual optei, em parte reflete o que sou. Minha vivência e experiência de vida. Como o senhor foi muito amigo de Dom Adriano, gostaria que o senhor fizesse um comentário. Em 1978 ele atribui a Pastoral Operária a linha mestra de sua diocese.

Pe Agostinho - Não! Ele atribui a linha mestra do seu comportamento ao povo da Baixada. Ele também usou muito essa frase: “Foi o povo quem me converteu”! Ele atribui sua conversão a esse povo.

Alexander - Belíssima frase!

Pe. Agostinho - Que povo é esse? É o povo trabalhador. O povo do trem, é o povo da construção civil, é o mecânico, o metalúrgico, o gráfico. Esse é o povo. E digo mais, o único povo que nos pode converter é esse. Essa comissão que está lá em Copenhague é uma tropa de vagabundos, discutindo e fazendo coisas iminentes, enquanto o planeta está em perigo. O homem diante do dinheiro endoidece. Pode crer! Outra coisa que você tem que escrever sobre os trabalhadores é como um homem é capaz de viver com um salário mínimo. Isso é um milagre! Essa correria atrás de partidos, de candidaturas, significa que amam o povo? Nada. Querem é ganhar dinheiro fácil, ser vereador, prefeito dá dinheiro. É uma vocação? Há pessoas que tem vocação para isso. Eu respeito, mas para aumentar 5% do salário mínimo é uma briga. Paulo Paim é um dos poucos que lutam para dar salário digno. Lula luta para dar salário digno, mas é um prisioneiro do sistema.

Alexander – Gostaria que o senhor citasse membros da Pastoral Operária que sofreram perseguições, nomes de membros da PO de Nova Iguaçu no âmbito do regime militar.

Pe. Agostinho - Se não podíamos nos reunir, se éramos vigiados, se nossos carros tinham suas placas anotadas, se pintavam paredes das casas... Entraram nas casas, no Centro de Formação de Líderes. Isso é uma retaliação.

Alexander – Poderia citar nomes?


Pe. Agostinho - Não posso citar. Depois que saí da cadeia, não cito nome de ninguém. Tem gente que não gosta nem que se fale sobre esse assunto.
Alexander – O senhor saiu da cadeia em que ano?

Pe Agostinho - Saí da cadeia no ano de 1970. Tem gente que sofreu retaliações. Tem gente doida até hoje de tanto que foi retaliada, perseguida. Tem gente que mudou de Estado e se trata com psicólogos. Já faz trinta anos, mas fica a vida toda. Quem nunca foi preso não compreende. O livro “Brasil nunca mais” é exemplo lúcido disso.

Alex. O senhor poderia citar leigos que não tinham formação, mas adquiriram-na nas bases da Igreja e hoje estão engajados em sindicatos, partidos. Que tiveram sua trajetória a partir da Igreja

Pe. Agostinho - Eu faço uma reunião mensal aqui. Mais de trinta pessoas. Todas estão envolvidas em partidos políticos.

Alexander - O senhor poderia citar ao menos alguns nomes? Porque se observa que a Igreja alimentou, particularmente, no período conflituoso (regime militar) leigos, que não tinham formação e conscientização política, obtiveram-na através da Igreja. O legado de Dom Adriano contribuiu muito para isso, uma vez que ele abriu as portas da Igreja e contribuiu para que os grupos de base e seus líderes fizessem reuniões. A Igreja de Nova Iguaçu, nesse sentido, foi formadora Ela conscientizou os leigos. Onde se percebe que o desdobramento religioso se converte em desdobramentos políticos. Gostaria que o senhor citasse exemplos para ilustrarmos.

Pe. Agostinho - (Longo silêncio). Sabe o centro de pesquisas, a FIOCRUZ, em Bonsucesso, no Rio? Muitos dos atuais profissionais estiveram aqui. É complicado citar nomes! Aqui cineastas se escondiam. Médicos, advogados, filósofos, professores se esconderam aqui. Eu era um que trazia pessoas para cá. Sei também as casas onde estavam. Dom Adriano chegou a trazer da Europa todo aparelho de filmagem e entregou a um cineasta. Até um filme foi feito. Um dos diretores da FIOCRUZ ficou escondido aqui. Não gostaria de citar nomes, para amanhã não dizerem que Agostinho citou nomes. A gente tem uma carga muito grande. Conheço mulher que engravidou com torturador, gente que endoidou. Sua pergunta é muito ampla. Betinho quando veio do exterior se escondeu aqui.

Alexander – O Lindberg?

Pe. Agostinho - Lindberg foi o homem da campanha da resistência.

Alexander – Ele teve sua formação na Igreja?

Pe. Agostinho – Ele foi movimento da juventude. Sua formação partiu da Igreja. A UNE é resultado da JUC. Citar nomes é muito delicado. Por isso não citarei. É da vida privativa. Eu respeito muito isso! Tem gente que não gosta de mexer mais com isso.

Tem gente que pediu indenização. Eu não quis saber de indenização. Digo que um milhão de dólares não repara o que fizeram comigo. Não quero saber de indenização. Meu tributo ao Brasil eu paguei. Tem gente que aceitou e tem direito. As mulheres de maio de 1968 se bifurcaram em dois movimentos: as que aceitaram e as que não aceitaram. Seguiram linhas diferentes. Há uma ditadura hoje mal resolvida. Há uma ditadura de escravidão, de uma dependência do povo. Toda comparação é um pouco difícil, mas há uma ditadura diferenciada que oprime o povo no cacete, na pauleira, na milícia, na perseguição, sem terra, na violência. Bate-se como se bate num cachorro. Na ditadura a coisa era diferente. Havia uma direção só. Batia-se porque você tinha fama de comunista, hoje batem sem causa. Hoje não vamos nos iludir que vivemos numa democracia. Há uma escravidão. O povo não acredita mais em político. Dizem que todos são ladrões. Mas não é verdade.

Alexander – Isso se deve a falta de consciência política?

Pe. Agostinho - A mídia só fala em morte, não fala em vida. O Jornal Nacional traz apenas morte: quebrou o trem acolá, alguém se enforcou. A mídia hoje é morte, Bolsas de Valores aqui e acolá, dólar aqui e acolá. Você vive dentro de um mundo que não atrai e não fascina. Tem gente que diz que até fevereiro não teremos mais nada. Vem a bagunça do carnaval. Qual é a praça onde se pode sentar para um lazer, bater papo com a esposa, com a noiva e namorada? Tudo gira em torno do consumo.

Alexander – Gostaria de encerrar a entrevista com uma fala sua: “é na prática de base que se constrói”. “É somente através da luta, da prática e da esperança que podemos construir um mundo melhor”.

Pe. Agostinho – (risos...) Tudo é fruto de uma ação. Se você quiser ter autoridade constrói a historia. Não exija moral nos outros se você não pratica. Saber escutar, escutar. Sabe quem é o sábio? Não é aquele que pergunta, não é aquele que responde. A partilha hoje. Se você escrever em seu trabalho os valores do trabalhador, se puder criar um capítulo sobre o que é o mutirão. Construir uma laje no mutirão. Como se constrói uma laje no mutirão? Dois quilos feijão, quatro rabos de porco, duas orelhas. As mulheres fazem uma feijoada e os trabalhadores, na massa, fazem uma laje de uma casa e terminam com caipirinha. Isso é mutirão! Isso não existe pelo mundo afora. Não existe no mundo social, não existe. Entre a juventude isso não existe. O valor do mutirão, da partilha, o valor da poesia, do canto do violão, da criação, o valor do poeta. Só na Baixada você arruma cantor em tudo quanto é canto. Você quer saber história de gente que não era nada e hoje se projeta? Hoje quem conduz os cantos aqui da Igreja é o Renato e sua mulher, com o coral guiado por um mestre trabalhador. São esses valores populares que o sistema rouba. E como rouba! E a mídia se encarrega de falar horas e horas de criança que foi encontrada com agulha dentro. Isso é assunto propalado pela mídia. E o povo? O povo é que tem que ser ainda colocado num grande tsunami de libertação para poder caminhar, poder tomar o trem sorrindo.

Alexander – Mas essa libertação, em parte, não estaria associada a uma conscientização?

Pe. Agostinho – Evidente! Não só a conscientização, mas também a melhoria de vida, melhoria de status social. O Brasil está sendo muito invejado pelo que tem. E o seu povo muito louvado. Se há um povo anfitrião, esse é o nosso povo. Posso dizer que eu andei o mundo e não encontrei na Alemanha, na Itália, na Bélgica ou na França hospitalidade igual. Hospitalidade existe, mas o hospedar não é o forte desses povos. Quem vem almoçar na minha casa ouve “onde come um, comem dois”, e diz “põe mais água no feijão”. Esse é o nosso povo. Você está de parabéns pelo roteiro!

Alexander - Terminamos a entrevista e venho agradecê-lo pelas informações e espero contar com o senhor daqui para frente. Ficha Técnica: Tipo de entrevista: temática. Tema: Pastoral Operária e Dom Adriano Hypólito. Entrevistado: Padre Agostinho Pretto Entrevistador: Alexander de Souza Gomes Local: Rua Maurício Lacerda, n.º 32 – Nova Iguaçu. Data: setembro de 2010. Duração: 46 minutos e 3 segundos.



Nenhum comentário:

Postar um comentário